Como a vaca Jersey está ajudando a acabar com a fome e a miséria na África

Como a vaca Jersey está ajudando a acabar com a fome e a miséria na África

10 de dezembro, 2019

Escrito por Marcelo de Paula Xavier*, M.Sc.

 

O World Jersey Cattle Bureau (WJCB) é uma organização que representa os criadores de Jersey e suas associações em âmbito mundial, tendo representantes em 5 regiões do globo: África, Europa, América Latina, América do Norte e Ásia / Oceania. Em maio deste ano, a entidade organizou seu congresso anual em Ruanda. 

A África pode até parecer um destino improvável, mas o evento foi idealizado para mostrar como a vaca Jersey vem desempenhando um papel muito importante no combate à fome e à miséria no continente negro. No encerramento do congresso, Steve Le Feuvre (presidente do WJCB) expressou sua alegria por estar reunindo criadores e especialistas de todo mundo na África e ressaltou o sentimento que os participantes tiveram após conhecer os projetos que a organização Send a Cow1 (SAC) desenvolve com o Jersey em Ruanda.

“Acho que, no mundo ocidental, acabamos perdendo a noção do básico que precisamos para prosperar e sobreviver, mas essas pessoas nos deram uma grande lição". Ele afirmou ainda que "não é necessário muito para tirá-los da pobreza e colocá-los na segurança alimentar”.

Jersey Inka Nziza2, este é o nome do projeto financiado pelo Jersey Overseas Aid3 (JOA) – e liderado pela SAC Ruanda – que vem revolucionado este pequeno país no coração da África. E, como o próprio nome já indica, o gado Jersey é a peça central nessa grande ação humanitária, lançada em 2017.

Com a doação de vacas e sêmen Jersey e a capacitação de inseminadores e fazendeiros, o esquema todo foi montado para ajudar pelo menos 12.000 famílias de pequenos produtores rurais a saírem da situação de pobreza extrema, fome e insegurança alimentar.

“A vaca Jersey está tendo destaque...como sendo um animal ideal, porque pode produzir os resultados que são tão necessários neste e em outros países do mundo”, concluiu Le Feuvre.

O projeto é tão amplo e abrangente que gerou um impacto muito significativo na própria indústria de laticínios de Ruanda e, mais importante, vem ajudando sobremaneira na reconciliação de um país devastado pelo genocídio de 1994, que contabilizou o assassinato brutal de mais de 1 milhão de pessoas da etnia Tutsi4.

As propriedades rurais em Ruanda têm, em média, menos de meio hectare e a maioria dos produtores de leite tira sua subsistência da produção de 1 ou 2 vacas. Mas, mesmo com tão poucos animais, os pequenos fazendeiros ruandeses envolvidos no projeto acabam tendo grandes benefícios, melhorando muito seu padrão de vida e conseguindo criar seus filhos com saúde e dignidade.

A baixa produtividade do Ankole (raça zebuína tradicional de Ruanda) contribuía para que muitas famílias vivessem abaixo da linha da pobreza no país, com mais de 1/3 das crianças até 5 anos sofrendo de desnutrição, o que gerava danos permanentes ao longo de suas vidas. 

Neste contexto, o leite nutritivo do Jersey significa desenvolvimento mais saudável para as crianças e – ainda – aumento na renda familiar, com a venda do produto excedente. Comparadas às outras grandes raças de leite, ou mesmo ao Ankole, as vacas Jersey têm a vantagem de produzir mais leite (e um leite melhor), exigindo menos ingestão de comida e tolerando melhor o calor da África. Este pacote possibilita uma grande melhoria para os produtores de leite, que conseguem gerar mais renda, com menor custo.

Por outro lado, em Ruanda, a vaca representa muito mais do que apenas seu valor comercial. Segundo o bispo Alexis Bilindabagabo, da organização Moucecore, “significa riqueza, significa comida, significa amizade...significa valor". De forma emblemática, ele conclui: "Para nós, a vaca é tudo!”.

E, de acordo com o bispo, as vacas Jersey estão desempenhando um grande papel até mesmo na reconstrução do tecido social do país após o genocídio. Porque, além de melhorar a vida das pessoas, com a doação de bezerras entre as famílias beneficiadas no projeto, ocorre uma grande reconciliação, uma ligação que transcende os antecedentes e as etnias.

Vendo todo esse cenário em Ruanda, me vem à mente o lema da Associação Americana do Gado Jersey (AJCA): Omnis Pecuniae Pecus Fundamentum. Traduzindo do latim, esta frase atribuída a Scrofa (um fazendeiro da Roma antiga) significa "o gado é a base de toda a riqueza".

Os pioneiros da AJCA foram homens de notável perspicácia e, não por acaso, esta frase foi escolhida como o lema da organização. Aliás, a própria palavra gado em latim (pecus) é a raiz da palavra latina para riqueza: pecúnia. 

A frase traz, implícita, a seguinte mensagem: melhore o gado e isto trará a prosperidade. Em Ruanda, ela tem ainda mais significado. As vacas Jersey representam hoje um caminho para erradicar a fome e a pobreza na África!

Confiram o vídeo-documentário sobre os eventos do WJCB em Ruanda: 

 

Notas:

1 – Send a Cow é uma organização sem fins lucrativos, que foi criada por um grupo de produtores de leite cristãos do Reino Unido em 1988. Indignados com as cotas de leite da UE, que os obrigavam a abater vacas leiteiras saudáveis e, em resposta a um apelo de Uganda, eles criaram esse projeto que se tornou uma instituição de caridade inovadora e com ótimos resultados.

2 – Jersey Inka Nziza, em livre tradução, significa "Jersey vaca boa". Este nome foi dado pelo pessoal da organização Send a Cow em Ruanda ao projeto que vem ajudando a acabar com a fome e a miséria nas comunidades rurais do país para ressaltar as grandes qualidades do Jersey.

3 – Jersey Overseas Aid é o fundo de ajuda humanitária oficial da Ilha de Jersey, o qual tem um orçamento anual de 10 milhões de libras para investimento em projetos sociais na África.

4 – Os Tutsis são um grupo étnico de Ruanda, que existem também em outros países vizinhos, como Burundi, Congo, Uganda e Tanzânia. São um povo banto e, tanto do ponto de vista linguístico como cultural, não se distinguem dos Hutus, o grupo étnico majoritário de Ruanda.

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*Marcelo de Paula. Xavier, produtor rural, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi presidente da Associação dos Criadores de Gado Jersey do Brasil por dois mandatos.

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